segunda-feira, 7 de maio de 2018

Petição: Refundar os Serviços Florestais e Aquícolas em Portugal Continental

Azinhal (Quercus rotundifolia)


Nós, cidadãos, que nos preocupamos com o futuro da floresta nacional, considerando que:

• A área florestal com gestão pública, responsabilidade do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), é de 525.400 ha. São património público, e por isso têm gestão plena do ICNF, apenas 55.000 ha. Chamam-se Matas Nacionais e estão sob o Regime Florestal Total. As restantes áreas são constituídas essencialmente por terrenos comunitários (baldios), bem como alguns terrenos particulares e autárquicos, que estão no Regime Florestal Parcial e são geridas pelo ICNF através desse regime num sistema de gestão partilhada com os seus legítimos proprietários.

• O Regime Florestal, “consciencializado e assumido como princípio de Direito e plasmado na lei [notável] em 1901 e 1903”, e que define o uso florestal como uso imperativo (PARDAL 2014), tem sido a base de uma política florestal esclarecida que se quedou nos 525.400 ha referidos, porém, embora a legislação esteja em vigor e toda área de gestão pública atual se enquadre nele, ele tem vindo a ser incorretamente desconsiderado e pouco promovido.

• Portugal é um dos países do mundo com menor percentagem de floresta pública (2% e 55 mil ha, ou 0,055 milhões ha), e definitivamente aquele que tem menos floresta pública na Europa. Manda o bom senso perguntar aos nossos vizinhos espanhóis (27% e 7,396 milhões ha) e franceses (11% e 1,702 milhões ha) porque lhes convém que o Estado disponha de uma percentagem elevada da área florestal.

• Os Serviços Florestais já haviam sido criados em 1886, todavia, foi no âmbito da grande reforma de 1901 que os modernos Serviços Florestais e Aquícolas (SFA) foram criados. Estes serviços fizeram um trabalho notável durante quase um século, com muitos períodos áureos e outros não tão felizes. Importa referir alguns bons um pouco esquecidos: a partir dos finais dos anos 30 do século passado começavam a estruturar-se no seu seio as competências para a conservação da natureza. Tendo surgido em 1956, dentro dos SFA, o Serviço de Caça, Pesca, Regime Florestal e Protecção da Natureza, que cria a primeira área protegida de Portugal Continental (Reserva Ornitológica do Mindelo). Nos finais da década de 60, fez-se a identificação das principais áreas a proteger, a maior parte das quais veio a estar na origem na constituição de parques naturais e foi ainda no interior dos SFA que surgiu a iniciativa da criação, em 1970, do Parque Nacional da Peneda-Gerês. Nesses tempos, em 1948, surge na sociedade civil um silvicultor, Prof. Carlos Baeta Neves, que cria a Liga para a Protecção da Natureza (LPN). Tendo sido a primeira Organização Não Governamental de Ambiente a ser criada na Península Ibérica. Por falta de estratégia e visões esclarecidas, as competências nas áreas da conservação da natureza foram, sem medo da sua ineficiência, retiradas dos serviços florestais até que “em 1996 a estrutura [da instituição florestal] foi desmantelada e regionalizada, com o pressuposto de criação de uma empresa pública [ENGEF] para a gestão das áreas a cargo do Estado” (AFN 2012). “A proposta viria a ser submetida pelo Governo a parecer do Conselho Económico e Social, entidade que ‘rejeita frontalmente a alienação do património florestal do Estado, ainda que a favor de uma empresa pública’ e que questiona os objetivos marcadamente produtivistas da abordagem seguida no Projeto” (AFN 2012). Conclusão: foi em 1996 que se destruiu por fim os Serviços Florestais centenários de Portugal Continental para se criar o NADA.

• Temos consciência que o futuro da floresta em Portugal não se resolve exclusivamente por alcançar a boa gestão das áreas de Regime Florestal existentes atualmente. A maior parte da área florestal em Portugal é privada, pelo que, noutro âmbito, terão de ser encontradas soluções para o ordenamento dessa floresta. Entendemos que, se voltarmos no imediato a gerir efetivamente no terreno 525.400 ha de área florestal, estaremos no caminho certo e um pouco mais próximos de resolver o problema da floresta em Portugal.

• A Comissão Técnica Independente no seu relatório “Avaliação dos incêndios ocorridos entre 14 e 16 de outubro de 2017 em Portugal Continental”, de março de 2018, faz uma total razia à atuação do ICNF (e designações anteriores) em Portugal Continental desde, pelo menos, 1981 até aos dias de hoje (CTI 2018).

• A CTI (2018) refere que o ICNF está numa grave situação; que não assegura a proteção das Matas Nacionais; que as áreas florestais sob sua responsabilidade ardem ainda mais que as restantes; que o facto de ter ardido 34% da totalidade da área de Matas Nacionais em 2017 é demasiado evidente e grave; que a instituição é um constrangimento para o setor florestal quando deveria ser o seu principal promotor; que esta nunca assumiu a degradação de um património público [e comunitário] de ½ milhão de hectares; que a má gestão de um bem público [e de um bem comunitário] constitui um péssimo serviço; que é nas florestas sob sua responsabilidade que é mais grave o problema das invasoras lenhosas [acácias] em Portugal.

• Deveria ser ainda mais crescente a importância da caça e da pesca desportiva em águas interiores como atividades económicas de relevo no interior do país, nomeadamente na vertente turística, porém, muitas dos nossos rios e albufeiras encontram-se depauperados por falta de gestão aquícola efetiva, nomeadamente devido à inexistência de regras de pesca específicas e dinâmicas, para cada massa de água, conjugada com uma total falta de fiscalização. A gestão da caça, embora tendo melhorado muito nas zonas de gestão privada, está longe da capacidade que poderia representar e, sobretudo no aspeto turístico, não houve capacidade para organizar e desenvolver um turismo cinegético capaz de valorizar realmente o potencial existente em muitas regiões do interior do país.

• O problema da instituição florestal em Portugal não é exclusivamente político. A situação só chegou a este estado de extrema gravidade devido também à evidente incúria de seus dirigentes que nunca se insurgiram e que, por acomodação, a deixaram apodrecer.

• A existência de áreas florestais sob gestão pública faz sentido. Dada a sua natureza ecológica, não foi encontrada até agora nenhuma forma melhor de explorar florestas de baixa produtividade senão transformando-as num uso imperativo florestal de utilidade pública. Todos os países com governos democráticos bem sucedidos nesta matéria, sejam de esquerda ou de direita, chegaram à mesma conclusão (PEDRO BINGRE com. pessoal). O facto da nossa instituição florestal em Portugal ter sido desmantelada nos últimos 40 anos e se encontrar atualmente ao nível da de um Estado Falhado fará parecer lógico alegar que o serviço público florestal não funciona e que a gestão pública florestal em Portugal deve ser de vez entregue a privados. Ocorre que temos a vantagem de termos uma recente história florestal rica e bem sucedida, temos ainda o mundo à nossa volta com excelentes exemplos do que é um bom serviço público florestal. Portugal tem-se fechado sobre si mesmo e se revelado ignorante em politicas florestais; devemos antes procurar copiar aquilo que funciona lá fora e atualizar aquilo que já funcionou entre nós. Temos de assumir humildemente que somos atualmente um dos piores países do mundo em termos de políticas e governança florestal - os factos estão aí, duros, mas reais: 112 pessoas mortas e 442 mil ha ardidos apenas em 2017. Alternativas, provenientes da ignorância e do imediatismo, nos parecem por isso aventureirismos por testar ou fracassos a não repetir.

Requeremos à Assembleia da República:

1.  Que refunde um novo Serviço Florestal e Aquícolas (ou outra designação) em Portugal Continental, criando no seu seio uma estrutura com capacidade idêntica à que tiveram os Serviços Florestais e Aquícolas em Portugal nomeadamente no que respeita: 1) à efetiva capacidade de gestão, plena e partilhada, das áreas de Regime Florestal, com serviços próximos das comunidades locais, com dinamismo e célere capacidade de decisão, com técnicos, guardas florestais e operacionais qualificados e motivados, com estrutura, equipamento, capacidade de investimento alargada e autonomia financeira; 2) à efetiva gestão de recursos aquícolas dos nossos rios e albufeiras, com viveiros, repovoamento piscícola adequado, e fiscalização; 3) ao efetivo apoio à gestão dos recursos cinegéticas, estimulando e garantindo o apoio a um verdadeiro turismo cinegético internacional; 4) que desenvolva o sector da silvopastorícia, promovendo o desenvolvimento de uma atividade moderna capaz de contribuir para a criação de espaços resistentes aos incêndios através de áreas de pastagens renovadas com capacidade de sustentar uma economia pastoril; 5) que desenvolva e aperfeiçoe os serviços de gestão dedicados à conservação da natureza, que garantam o desenvolvimento da biodiversidade e em especial a recuperação das espécies ameaçadas e em risco de extinção, que sejam harmonicamente complementares da economia dos espaços rurais, do turismo de natureza e, sobretudo, para a melhoria das condições de vida das respetivas populações; 6) que sirva para apoiar permanentemente (extensão rural) as áreas de Regime Florestal Parcial e nomeadamente, nas áreas comunitárias, dinamizar e apoiar a constituição de assembleias de compartes e respetivos conselhos diretivos; 7) que reponha a Estação Florestal Nacional (pesquisa aplicada à floresta) e que, entre outras linhas de pesquisa, retome urgentemente os programas de melhoramento florestal, articulando-se com o CENASEF (Centro Nacional de Sementes Florestais); 8) que se dedique à correção de regimes torrenciais (controlo de erosão) e por fim ao lazer e recreio nomeadamente através da reabilitação dos parques de merendas.

2. Que, tendo em vista a refundação dos referidos serviços, promova um profundo debate que envolva um pequeno grupo, a requerer pela AR, de pensadores de políticas florestais, de pensadores de planeamento regional, de silvicultores experientes e com mundo, e de representantes das áreas comunitárias. Que discutam várias alternativas de modelos de gestão pública (benchmarking) tendo como premissa que “não pode haver uma condução correta da floresta e da conservação dos recursos naturais sem serviço público, mas este, para existir, tem de estar aplicado à exploração rentável dos recursos naturais, tendo nessa rentabilidade o principal alicerce da sua existência” (PARDAL 2014).

3. Que sejam feitas estimativas dos investimentos necessários nas várias áreas de gestão de recursos naturais. Em particular, na área de produção florestal sejam feitos, no imediato, inventários florestais (se não os houver recentes) e a finalização do mapeamento dos 525.400 ha de terrenos de Regime Florestal, para servir de base de trabalho para que os melhores técnicos, a requerer pela AR, de planeamento florestal, de SIG e de economia florestal, possam calcular as reais necessidades financeiras dos novos Serviços Florestais, tendo em conta as despesas (estrutura e investimentos) e as receitas (cortes e demais recursos naturais).

4. Que se cubram as necessidades financeiras deste imperativo projeto de investimento florestal recorrendo ao Orçamento de Estado, à União Europeia e/ou ao Banco Mundial (o que já ocorreu em anterior projeto florestal, de 1980 a 1987, lançado pelo então Secretário de Estado das Florestas Prof. António Azevedo Gomes).

5. Que garanta que a orgânica que vier a ser definida seja resultado de um amplo consenso político, capaz de garantir a sua estabilidade a muito longo prazo (100 anos).

6. Que garanta que os prédios rústicos em estado de abandono e pertencentes a proprietários desconhecidos, e que não respondem à chamada, sejam integrados nas Matas Nacionais em Regime Florestal Total (publique-se uma nota - ad perpetuam rei memoriam - que sirva de base à negociação caso futuramente apareçam os legítimos proprietários) (PARDAL 2017). Desta forma “ampliando o património público” conforme “compete ao Estado” pelo artigo 8.º da Lei de Bases da Política Florestal (Lei n.º 33/96). Segundo BEIRES (2013) o problema não está quantificado, porém sugere uma estimativa grosseira de 10% do território se encontre nesta situação, e refere ainda: “importa deixar claro que estas terras sem dono conhecido ocorrem quase sempre em zonas marginais ou de incultos florestais, sendo muito raras ou inexistentes em terras agrícolas”. Os vários trabalhos em curso, nomeadamente o Cadastro Simplificado, legislado recentemente, vos permitirá a localização desses prédios rústicos, de forma a seguirem a política referida.

7. Que assegure que se os proprietários de uma ZIF, que viram todo o seu património florestal ardido e que por isso ficaram sem recursos financeiros para alavancar novamente a gestão florestal, possam recorrer ao Governo para submeter a mesma ao Regime Florestal Parcial. Tendo o Estado a obrigação (conforme lei do Regime Florestal) de arborizar e explorar através dos Serviços Florestais (ou, liberdade nossa, de entregar os apoios financeiros necessários ao mesmo fim), de dar apoio contínuo técnico e de polícia à ZIF, salvaguardando para o Estado uma parte dos lucros líquidos da mata. A gestão manter-se-á privada e em sede de ZIF sendo supervisionada pelos Serviços Florestais com base no plano de exploração aprovado, num sistema de gestão partilhada que garantirá, a muito longo prazo, a utilidade pública florestal.

8. Que rejeite a privatização ou municipalização das Matas Nacionais e a municipalização dos terrenos comunitários, no todo ou em parte, a não ser a devida à expropriação por motivos de utilidade pública.

9. Que entenda que refundar é promover uma mudança radical. A instituição que nascerá deve ser transparente e responsável pelo cumprimento de objetivos, devendo a escolha dos seus novos dirigentes ocorrer por meritocracia.

10. Que assegure que as áreas de Regime Florestal geridas pelos Serviços Florestais voltem a ter a capacidade própria de proteção, deixando de fazer depender a extinção do fogo apenas em terceiros (CTI 2018).

11. Que garanta que nas áreas de Regime Florestal geridas pelos Serviços Florestais sejam rentabilizadas através da produção de lenho, da resinagem (nomeadamente à vida), da produção de cogumelos, da caça, da pesca desportiva, da apicultura, da silvopastorícia e/ou outros recursos naturais numa óbvia gestão harmoniosa com a conservação da natureza. E que se recuperem, e se tire proveito, das Casas dos Guardas Florestais e outro importante património construído (sem alienação) para o apoio a essa gestão.

12. Que assegure que as receitas das licenças de caça e de pesca e as receitas da gestão das Matas Nacionais revertam na totalidade para os Serviços Florestais, bem como a parte da receita que lhe é devida nas áreas Regime Florestal Parcial, e que estas sejam aplicadas na gestão do Regime Florestal e no seu fomento.

13. Que reponha os Guardas Florestais no Ministério da Agricultura, com as funções de polícia, fiscalização e apoio à gestão dos recursos florestais, como sempre sucedeu desde, pelo menos, 1886 até 1998/2006 (respetivamente: competência exclusiva de polícia / transferência para a GNR no Ministério da Administração Interna).

14. Que invista na reflorestação das vastas áreas ardidas e áreas atualmente incultas do Regime Florestal, sobretudo com espécies autóctones, incluindo o pinheiro bravo, promovendo as espécies folhosas sempre que tecnicamente aconselhável e promovendo a erradicação de espécies invasoras lenhosas exóticas, nomeadamente as acácias.

Resumo: que a Assembleia da República dote com urgência o país de uns novos Serviços Florestais e Aquícolas (ou outra designação), com a mais conveniente estrutura orgânica, apoiado num corpo técnico competente desde o nível dos guardas florestais até aos seus mais altos dirigentes, que seja capaz de, adotando uma visão moderna de conservação dos recursos naturais e da biodiversidade, dirigir e coordenar a gestão dos recursos florestais de Portugal Continental de modo a que estes contribuam na sua plenitude para a nossa economia e para o desempenho das funções sociais e do bem estar das populações rurais que deles dependem. Para tanto, será necessário que ocorra um investimento elevado para recuperar as perdas dos últimos anos e um orçamento anual capaz de suportar tal estrutura, dentro do Ministério da Agricultura, podendo-se recorrer não apenas aos recursos disponíveis no Estado português, mas também a outras fontes de financiamento existentes para estes fins.

Com respeitosos cumprimentos, os peticionários.

(atenção: deve obrigatoriamente colocar o seu nome COMPLETO e o nº do seu BI).

BIBLIOGRAFIA:


BEIRES, R. S.; GAMA AMARAL, J.; RIBEIRO, P., 2013. O cadastro e a propriedade rústica. Fundação Francisco Manuel dos Santos. Páginas 83 e 84 

CTI, 2018. Avaliação dos incêndios ocorridos entre 14 e 16 de outubro de 2017 em Portugal Continental. Comissão Técnica Independente. Páginas 195-201 e 239-240 

PARDAL, SIDÓNIO, 2014. A Politíca Florestal no Nosso País.In Questões Atuais de Direito Local. AEDRL – Associação de Estudos de Direito Regional e Local. 

PARDAL, SIDÓNIO, 2017. Apontamento para uma política florestal

2 comentários:

Unknown disse...

Bom dia João Soares, quem me mandou esta página foi um amigo meu. E que surpresa. Eu sou o primeiro peticionário. Fiquei muito contente de ver publicada a petição no seu blogue. Entre em contato comigo que posso lhe enviar um cartaz que fiz. E podemos trocar ideias. É também associado da LPN. gcastelbranco.eng.florestal@gmail.com

João Soares disse...

Obrigado. Um Bom 2023.