domingo, 7 de dezembro de 2008

Carta ao Voluntário Anónimo, por Jean-Jacques Fresko


Caro Anónimo

No início, lembras-te, recusaste sem contemplações: dar uma ajudinha, tudo bem, mas esta agora não era tarefa para ti. De qualquer modo, não tinhas tempo, para mais com o teu trabalho no emprego, as crianças e outros compromissos aqui ou ali. Depois, tiveste que render-te à evidência: é verdade que tinhas chegado há pouco à associação, eras principiante, mas o facto é que não havia ali ninguém mais competente do que tu no assunto. Acabaste por dizer sim sem entusiasmo: Só por esta vez, ok?.

Passaste uns serões a ganhar familiaridade com o dossiê, a afinar os teus argumentos. No dia marcado, tiraste uma licença no emprego e lá foste, à famosa reunião de «avaliação de impacto» do processo de discussão pública. Estavam lá também dois funcionários da câmara, um representante dos trabalhadores e dois técnicos da empresa que pretendia licenciar o novo projecto industrial. Toda aquela gente, depressa o compreendeste, conhecia perfeitamente o assunto: claro, tinham tido todo o tempo para preparar o encontro durante o horário de trabalho!

Ao cabo de meia hora, atreveste-te a contestar um número, a refutar um estudo lá não muito sério, a ameaçar apresentar queixa ao tribunal administrativo (bluff teu! não tinhas qualquer
ideia de como proceder para isso...). Sentiste que o muro diante de ti começava a abrir brechas. Na associação, foste calorosamente felicitado. Isso foi... deixa cá ver... em que ano ao certo? Desde então, és o especialista incontestado do dossiê... e de mais alguns.
Para ti, as discussões públicas já não têm segredos e as acções judiciais em defesa do ambiente tornaram-se um exercício familiar.

Corres a região em todos os sentidos: uma reunião aqui, uma mobilização ali, uma contagem de aves de rapina acolá, e, desde há três anos, a festa anual da natureza que há que organizar. 
A associação, carrega-la tu nos braços. Seria necessário angariar novos sócios, mas isso exige tempo e, com o teu trabalho no emprego, as crianças e outros compromissos aqui ou ali... Então, melhor ou pior, tu continuas. Tens belas vitórias no activo: o sapal salvo da drenagem, o traçado da autoestrada renegociado. Algumas derrotas, também: no caso da instalação de incineração de resíduos, não conseguiste nada...

Caro Anónimo: agora que a tua associação se aproxima do décimo aniversário da sua fundação, este texto é-te dedicado. Há, por todo o país, algumas dezenas de pequenas associações como a tua. Que seria o país, apesar de tudo, sem o vosso empenho pertinaz? Onde estariam já os flamingos? E as cegonhas? E aquela bela serra agora protegida? E que teria sido feito do parque da cidade? E aquele antigo jardim que ia ser atravessado pelo metro e afinal não foi?

É certo que a tua energia está intacta, mas por vezes chegas a duvidar. Para quê tanto esforço? Sentiste-te orgulhoso quando viste na televisão alguns dirigentes ecologistas a discutir de
igual para igual com o governo, o patronato, os sindicatos. Um princípio de reconhecimento do trabalho realizado, finalmente! Mas os resultados tardam, e o teu activismo irrita os empreiteiros do betão, os grandes projectistas, os produtivistas furiosos. Há quem te veja com maus olhos. O fardo é por vezes pesado.

Considera por favor este texto como uma homenagem. E como um incentivo a prosseguir a tua obra.
Jean-Jacques Fresko, in Terre Sauvage n.º 245, Dezembro 2008 (adaptado, Campo Aberto)

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