quinta-feira, 1 de julho de 2004

Coisas estivais


Por Bernardino Guimarães, JN 29/06/04

1) Não sei se já muitos se lembram, mas o Verão passado, com o seu calor excepcional, trouxe consigo -- para lá dos fogos nas matas - um número impressionante de mortes. Idosos e outras pessoas mais fragilizadas foram vítimas de um drama silencioso e letal. Na Europa progressiva e próspera, o fenómeno espanta: em França houve milhares de falecimentos devido ao calor, apanhando o Estado impotente e a opinião púbica a banhos. Em muitos outros países, algo parecido. Por cá, o Ministério da Saúde só contabilizou as perdas humanas volvidos meses, - e foram muitas, infelizmente. Isto diz-nos alguma coisa sobre a sociedade em que vivemos, as condições ambientais das nossas cidades, e não apenas sobre a impreparação dos sistemas de socorro e da administração. A indiferença em relação aos elos mais frágeis da cadeia social, novas formas de marginalização, abandono dos mais velhos, são mazelas na origem do drama estival. A fazer-nos reflectir seriamente. E, a propósito, estaremos agora melhor preparados para que se não dê o mesmo este Verão?

2) No interior desta tragédia (como ficou claro nos estudos realizados em França) há aspectos ambientais a considerar. A conjugação do forte aumento da temperatura com a contaminação da atmosfera, em particular nas cidades, por poluentes diversos, produz consequências nefastas, em primeira linha para idosos, doentes e crianças.
Vários factores, que incluem o descuido na concepção arquitectónica dos edifícios e nos materiais utilizados na construção, a ausência de suficientes zonas verdes e a impermeabilização dos solos, o reinado absoluto do automóvel, concorrem para tornar uma cidade irrespirável, com áreas de desconforto térmico acentuado. A qualidade do ar, essa, continua a não ser uma prioridade para quem decide.

3) Ainda há dias, três concelhos -- Santo Tirso, Paços de Ferreira e Estarreja - foram alvo de um «alerta máximo» a toda a população devido à presença de níveis elevados de ozono. Este gás, que tão útil é na alta atmosfera (defende-nos e à Terra da crueza dos raios ultra-violeta) pode tornar-se um grave poluente ao nível do solo, ameaçando seriamente a saúde pública, sobretudo as crianças e os que sofrem de doenças respiratórias. A sua ocorrência em tão grandes quantidades deve-se a poluentes (óxidos de azoto, compostos orgânicos voláteis) lançados pelos automóveis, indústrias e outras fontes, e é potenciada pelo calor.

Este alerta, inédito em Portugal parece significar uma maior atenção das autoridades ao problema. O que bem se justifica: as emissões de ozono aumentaram 26% por cá, entre 1990 e 2000 - enquanto diminuíram em toda a restante Europa!
Mas, como denunciou a Quercus, o Ministério do Ambiente não pode seguir estas situações nem lançar alertas de poluição aos fins de semana e feriados, por falta de meios. O que significa que algo está mal nas prioridades governamentais. A informação ao público é decisiva. Temos, todos, o direito a saber o que andamos a respirar -- e a verdade é que não sabemos. Se outro fosse o seguimento da poluição do ar, quantos «alertas» não teriam já sido necessários?

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